domingo, 6 de dezembro de 2009

Recado para a Lassuta

À minha querida Isabel:

(minha amiga, minha inspiração, meu mestre)

Aguardo-te para um passeio junto ao rio.

(quero ver-te sorrir como uma menina inocente, quero voltar a ver a Arte pelos teus olhos)

Aguardo-te para um passeio junto ao rio.

(Tenho dois copos de vinho sobre a mesa,quero bebê-lo contigo, quero brindar a vida contigo)

Aguardo-te para um passeio junto ao rio.

letting go...

"To change skins, evolve into new cycles, I feel one has to learn to discard. If one changes internally, one should not continue to live with the same objects. They reflect one's mind and the psyche of yesterday."
Anais Nin
Às vezes muda-se-nos a pele. Começa um novo ciclo, deixa-se um pensamento, muda-se um sentimento ou troca-se a frequência da alma. Este é, quase sempre, um processo doloroso, uma vez que envolve rupturas com coisas e pessoas de quem gostamos e nos obriga a enfrentar o desconhecido. Umas vezes deixamos lugares, outras vezes pessoas, outras vezes temos mesmo que abdicar de coisas mais profundas, parte de tecido interno que já não somos nós. Seja o que for, é necessário soltar, deixar partir, saber aceitar fazendo as pazes connosco e com os outros. Há que desligar do passado e deixar que o presente nos inunde até que outra pele nos cubra.

Stuck?

Que havia, pois, mais para a vida, para responder ao seu desafio de milagre e de vazio, do que vivê-la no imediato, na execução absoluta do seu apelo? Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso. Queimar no dia-a-dia os restos de ontem. Ser só abertura para amanhã. A vida real não eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitária. O absoluto da vida, a resposta fechada para o seu fechado desafio só podia revelar-se e executar-se na união total com nós mesmos, com as forças derradeiras que nos trazem de pé e são nós e exigem realizar-se até ao esgotamento. Este «eu» solitário que achamos nos instantes de solidão final, se ninguém o pode conhecer, como pode alguém julgá-lo? E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos à prisão? Sabê-lo é afirmá-lo! Reconhecê-lo é dar-lhe razão. Que ignore isso o que ignora que é. Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal. Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao silêncio prisional? Ninguém pode pagar, nada pode pagar a gratuitidade deste milagre de sermos. Que ao menos nós lhe demos, a isso que somos, a oportunidade de o sermos até ao fim. Gritar aos astros até enrouquecermos. Iluminarmos a brasa que vive em nós até nos consumirmos. Respondermos com a absoluta liberdade ao desafio do fantástico que nos habita. Somos cães, ratos, escaravelhos com consciência? Que essa consciência esgote até às fezes a nossa condição de escaravelhos.
Virgílio Ferreira, "Aparição"